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domingo, junho 05, 2005

Ditaduras... ditas duras. 

Nasci para ser ditador e isso foi evidente desde a minha concepção. Entrar no óvulo foi tarefa fácil: bastou comandar o exército de espermatozóides para me abrirem um buraco, estenderem o tapete, e lá fui eu cumprir o meu destino ao som de uma banda filarmónica. Dentro da barriga da minha mãe, passada a fase embrionária, ouvi um documentário sobre o Hitler e tentei copiar o seu fim com o que tinha "à mão": agarrei no cordão umbilical, enrolei-o à volta do meu pescoço, e tentei enforcar-me. Infelizmente os médicos toparam o esquema e convenceram a minha mãe a fazer uma cesariana antes que eu pudesse realizar o meu propósito.

Enquanto bebé tinha as minhas exigências: só bebia leite de soja (demorei uns anos a aprender a apreciar maminhas), obrigava os meus pais a levarem-me ao hospital para tratar dos meus ataques de asma, fazia xixi e cócó quando queria e onde me apetecia, entre vários outros exemplos. A minha personalidade ditatorial estava cada vez mais desenvolvida, e era cada vez mais óbvio que estávamos perante um futuro líder mundial.

Durante a minha infância era frequente tentar imitar os meus ídolos: deixava crescer o semi-bigode à moda do Hitler, usava umas botas do exército vermelho iguais às do Stalin, fardas militares cheias de insígnias como o Mussolini e falava a mesma língua do Salazar. Os meus pais não gostavam muito da ideia e tentavam convencer-me a largar a obcessão, até porque saía caro ter que pagar a um sapateiro para me engraxar as botas todos os dias, mas penso que no final foram sensíveis aos meus argumentos ("se voltam a tocar no assunto levam um balázio nos cornos").

Certo dia, já adolescente, toda esta fundação ideológica ruiu como um castelo de cartas. "Porquê?!?!" perguntam os leitores, entusiasmados com a reviravolta nesta minha pequena auto-biografia. E a resposta tem essencialmente dois vectores: primeiro porque comecei a idolatrar líderes democráticos e íntegros como o Vale e Azevedo ou o Alberto João Jardim, e segundo porque ao investigar melhor a vida dos antigos ditadores tive algumas desilusões.

Adolf Hitler, por exemplo, queria que o título do seu famoso livro fosse "Quatro anos e meio de luta contra mentiras, estupidez e cobardice." O editor é que o conseguiu convencer que era um título muito complicado, e por isso vingou "A minha luta", ou o equivalente alemão "Mein Kampf". Mas que raio de título era aquele?! Como é que alguém tão genial na propaganda política podia ter um domínio tão fraco de conceitos base de marketing?! Com aquele titulo o livro nunca teria sido um best seller... e ele nunca teria sido quem foi.

Nessa altura descobri também que o Hitler em adolescente sonhava ser pintor, mas foi rejeitado duas vezes pela Academia de Artes de Viena por "falta de talento", o que lhe provocou um enorme desgosto. Imagino que os responsáveis da Academia se tenham arrependido da decisão, não só por terem potencialmente contribuido para a revolta deste ditador impiedoso, mas também porque é provável que passado uns anos tenham recebido uma visitinha da GESTAPO.

Outras grande desilusão foi o facto de ter lido que o Stalin fez parte do coro do liceu. COMO É QUE ISTO É POSSÍVEL?! STALIN NO CORO?! Foi dificil interiorizar esta ideia absurda, este gigante contrasenso. Descalcei logo as botas e pu-las no lixo, o que por um lado foi positivo porque tinha o mesmo par há vários anos e já não cheiravam muito bem. Mas o problema é que eu não tinha outros sapatos, e durante uns dias tive que me desenrascar com umas barbatanas pés-de-pato que faziam parte do meu equipamento de bodyboard. Até eram giras, e davam-me um certo estilo, mas ficava cheio de bolhas nos pés. Eventualmente consegui convencer o meu pai a comprar-me uns All Star com a bandeira dos Estados Unidos.

Enfim, concluí que, por detrás daquela imagem de líderes carismáticos criada pelas máquinas propagandistas, estavam homens que provavelmente faziam a pedicure, rapavam os pêlos das costas, usavam creme para hidratar a pele da cara, e tomavam banho em àgua de rosas. Aquelas ditaduras, ditas duras, eram na na realidade lideradas por donzelas frágeis e inseguras. O choque e a desilusão precipitaram a minha desistência pela carreira de líder ditatorial.

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